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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Mesa posta

Roberto de Queiroz

Diz um adágio popular que beleza não põe mesa, e diz um adágio afrodisíaco que feiura não põe mesa. A conclusão é esta: beleza não põe mesa, feiura também não. O que, na verdade, põe a mesa é a cadência dos neurônios em sintonia com a cabeça, o tronco e os membros do corpo. O pôr a mesa não é, então, tarefa de beleza ou de feiura. Mas como seria, se a beleza e a feiura não são concretas? Ambas são meros substantivos abstratos e, sozinhas, não têm existência própria: precisam apelar para o adjetivo para existir. Essa derivação adjetivo-abstrata, por si só, não é capaz de pôr a mesa. Enfim, o pôr mesa é ação da labuta inconclusa das mãos, e a ação de pôr a mesa, depois de concluída, resulta em mesa posta.

domingo, 15 de novembro de 2015

Pot-pourri

Roberto de Queiroz


I

O olho do sol do polo Norte se fecha, congela o vento e cristaliza a neve: açúcar do confeito da Terra.

II

O olho do segundo sol se abre e realinha a órbita dos planetas: marionetes do dedo do Universo.

III

A mistificação do purgatório prognostica a idealização do inferno de Dante: consequência reflexa de crenças milenares.

IV

O achamento do paraíso perdido e a perda do paraíso recuperado de Milton ensaiam sobre a cegueira de Saramago: retrato fidedigno do materialismo.

V

Na taça de carne de Salomão, o vinho é certamente mais aromático e mais saboroso que nos pseudocristais modernos e provavelmente há ali toxidade zero: êxtase cromático do cântico dos cânticos.


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Gato cio

Roberto de Queiroz

        u
      uuu
    uuuua
  uuuuuai
uuuuuuaim
miauuuuuu
   iauuuuu
    auuuu
      uuu
        u
      uuu
    uuuua
  uuuuuai
uuuuuuaim
miauuuuuu
   iauuuuu
    auuuu
      uuu
        u

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Metáfora

Roberto de Queiroz

Chuva de verão
é uma chuva
que vem e vai embora
como uma visita
que vem e não demora.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Poema bilíngue

A intelectual e presidente da International Writers and Artists Association, Teresinka Pereira, brindou-me com a tradução de mais um texto meu do português para o inglês. Dessa vez, trata-se do poema “Solidão?”, extraído do livro “A nudez de escrever” (Protexto, 2011, p. 28). Veja-o, a seguir, nas duas versões.

Solidão?
(Roberto de Queiroz)

Ando sozinho...
Vivo sozinho...
Mas não durmo sozinho,
a noite dorme comigo...

Ando sozinho...
Vivo sozinho...
Mas não falo sozinho,
o eco fala comigo...

Ando sozinho...
Vivo sozinho...
Mas não moro sozinho,
a vida mora comigo...

Loneliness?
(Translation by Teresinka Pereira)

I walk alone...
I live alone...
But I do not sleep alone,
the night sleeps with me...

I walk alone...
I live alone...
But I so not speak alone,
the echo speaks to me...

I walk alone...
I live alone...
But I do not live alone,
life lives with me...

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Féria

Roberto de Queiroz



Hoje a féria faz-se pequena,
o vaivém vale menos,
o cordel decepa-se ao meio:
o canzarrão morde-o
com a sua boca enorme.
O criado-mudo tudo observa,
durante a roedura,  e não age.
Mas como agir, se é cego
da língua e do cérebro?

terça-feira, 4 de agosto de 2015

sábado, 1 de agosto de 2015

quarta-feira, 3 de junho de 2015

O canário de Gazinho*

Roberto de Queiroz


O canário de Gazinho
é um pássaro engraçadinho,
pois contém em sua cabeça
um sinal bem vermelhinho.

O canário de Gazinho
é um pássaro engraçadinho,
pois ele tem o bico grande
e um cantar bem fininho.

O canário de Gazinho
é um pássaro engraçadinho,
pois ele tem as asas curtas
e seu rabo é miudinho.

O canário de Gazinho
é um pássaro engraçadinho,
pois ele tem as pernas finas
e seu olho é bem grandinho.

 (Em Meus versos livres e soltos, Recife, PE, Edição do Autor, 1997, p. 56)

* NOTA: Gazinho é o apelido do pai do poeta, cujo nome é Agápito.

sábado, 9 de maio de 2015

Poema facebookiano

Roberto de Queiroz

No Facebook,
nem tudo é face,
nem tudo é fake.
Mas a vida no Face
é apenas uma face
refletida num book
cujas páginas
são de vidro espelhado:
eu me vejo,
o outro me vê,
porém o que vemos
são apenas reflexos
do nosso eu exterior.