Roberto
de Queiroz
Diz um adágio popular
que beleza não põe mesa, e diz um adágio afrodisíaco que feiura não põe mesa. A
conclusão é esta: beleza não põe mesa, feiura também não. O que, na verdade,
põe a mesa é a cadência dos neurônios em sintonia com a cabeça, o tronco e os
membros do corpo. O pôr a mesa não é, então, tarefa de beleza ou de feiura. Mas
como seria, se a beleza e a feiura não são concretas? Ambas são meros
substantivos abstratos e, sozinhas, não têm existência própria: precisam apelar
para o adjetivo para existir. Essa derivação adjetivo-abstrata, por si só, não
é capaz de pôr a mesa. Enfim, o pôr mesa é ação da labuta inconclusa das mãos,
e a ação de pôr a mesa, depois de concluída, resulta em mesa posta.
Em resumo, para por a mesa, não são requeridas nem a beleza, tampouco a feiura. São necessárias ao menos uma mão, talvez duas pernas, ou até uma cadeira de rodas ou outro meio de locomoção. O essencial mesmo é a vontade de pôr a mesa. O resto consegue-se dar um jeito, de uma maneira ou outra.
ResponderExcluirA BELEZA DO PÃO NOSSO DE CADA DIA
ResponderExcluirO pão só chega à mesa pelo esforço das mãos, que amassam a massa e modelam o trigo. Beleza não põe mesa, mas é fundamental, como diria Vinicius. Necessária até para embelezar o pão posto, a partilha e as guloseimas que ornamentam a ceia. O pão, embora indispensável, não é tudo. Nem somente dele vive o homem. Ademais, quando a fome não é tanta, o alimento precisa ostentar beleza, para provocar a vontade de comer. Um belo pão (e saboroso) nos faz rodear a mesa, em comunhão e esquecer a labuta e os tortos caminhos diários e sofridos, pelos quais passaram calejadas mãos que malharam os molhos de trigo. Sagrada é a beleza que envolve o pão nosso de cada dia!
Um abraço robertiano do tamanho de Ipojuca.